RESUMOS: O MUNDO PRÉ-OPERATÓRIO DE LAURINHA: CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ESTÁGIO DE PENSAMENTO PRÉ-OPERATÓRIO
O MUNDO
PRÉ-OPERATÓRIO DE LAURINHA:
CONSIDERAÇÕES GERAIS SOBRE O ESTÁGIO
DE
PENSAMENTO PRÉ-OPERATÓRIO
Vera
Regina Passos Bosse
Considerações Teóricas
Laurinha
é uma menina de quatro anos de idade e encontra-se no nível de pensamento
pré-operatório. O caráter egocêntrico é uma das principais marcas desse
período.
O
ingresso no nível de pensamento pré-operatório ocorre por volta dos 18 aos 24
meses e é marcado pela aquisição da função simbólica ou semiótica, que consiste
na capacidade de evocar um significado através de um significante. Isso
representa um salto qualitativo muito importante no desenvolvimento afetivo e
cognitivo da criança permitindo que aja sobre a realidade na ausência dos
acontecimentos, evocando uma representação.
O
surgimento da função simbólica revela-se através de cinco condutas:
1) Imitação diferida: marca a
passagem do nível sensório-motor para o das condutas representativas. Neste
período a criança é capaz de realizar uma imitação mesmo na ausência do modelo.
2) Jogo simbólico: trata-se do
jogo de faz-de-conta, conduta totalmente desconhecida no nível anterior. O jogo
simbólico permite à criança modificar o mundo real à sua vontade,
possibilitando a compreensão do mundo adulto.
3) Desenho: conduta
intermediária entre o jogo e a imagem mental, o desenho não costuma aparecer
antes dos dois ou dois anos e meio.
4) Imagem mental: nesse período
as imagens mentais são estáticas, não considerando o movimento e as
transformações.
5) Linguagem: permite à criança
evocar verbalmente um acontecimento anterior. Possibilita que ela faça
narrativas, repartindo suas experiências com outras pessoas, desenvolvendo a
socialização. Além disso, a interiorização da palavra caracteriza o surgimento
do pensamento.
A
função simbólica refere-se à capacidade de evocar coisas e acontecimentos que
não estão presentes, enquanto que a imitação, a imagem mental, o jogo
simbólico, o desenho e a linguagem representam os meios para que essa evocação
aconteça.
No
jogo simbólico manifesta-se o mecanismo de assimilação e na imitação diferida
evidencia-se a acomodação aos modelos do meio ambiente. A inteligência decorre
do equilíbrio entre acomodação e assimilação. Isto demonstra o caráter instável
desse período, resultando em julgamentos oscilantes e contraditórios por parte
da criança.
O
surgimento da função simbólica indica um grande desenvolvimento cognitivo, pois
permite a passagem de uma inteligência prática para uma inteligência
representativa.
O
estágio do pensamento pré-operatório estende-se aproximadamente dos dois aos
sete anos, e pode ser dividido em três subníveis:
a) Simbólico (aproximadamente
dos dois aos quatro anos);
b) Intuitivo global ou intuitivo
simples (cerca dos quatro aos cinco anos);
c) Intuitivo articulado
(aproximadamente dos cinco aos sete anos).
Deve-se considerar que estas idades
são aproximações, não tem um caráter rígido. Essa divisão encontrada na obra de
Piaget, bem como os demais estágios de pensamento, não implicam numa ruptura
brusca de um nível ao outro. Pelo contrário, é uma continuidade. Os estágios de
pensamento e seus subníveis evoluem integrando-se uns aos outros. É possível encontrar
em um estágio condutas próprias de um nível anterior ou posterior.
No
nível de pensamento pré-operatório, subnível simbólico, a criança possui apenas
pré-conceitos, pois ela não consegue pensar em categorias gerais, atendo-se ao
particular. É um pensamento transdutivo, vai do particular para o particular,
isto é, ela transpõe um elemento que lhe chamou a atenção em determinada
situação, para outra situação, chegando a conclusões ilegítimas.
No
subnível de pensamento intuitivo global, o pensamento e eminentemente
intuitivo, que considera percepções globais, e não é capaz de diferenciar as
relações entre os elementos, muito menos suas transformações. O pensamento
intuitivo global é essencialmente não-conservador, porque ausente de
reversibilidade. É justamente a aquisição dessa reversibilidade que garante a
possibilidade da realização das operações mentais, que é uma das
características que define o nível de pensamento operatório concreto.
Nesse
subnível a criança é incapaz de considerar, simultaneamente, dois aspectos
diferentes de uma mesma realidade. A percepção da forma global é o que impera
nesse momento podendo distorcer os julgamentos.
Embora
a criança seja capaz de contar pequenas quantidades, ainda não alcançou a
conservação do número, de modo que qualquer modificação na configuração
espacial dos elementos pode resultar em nova quantidade. Nesse período a
criança começa a esboçar condutas classificatórias.
Quando
alcança o subnível de pensamento intuitivo articulado, o raciocínio da criança começa
a se flexibilizar um pouco mais em relação ao momento anterior. Já é capaz de
algumas invariantes físicas, começando a se libertar da força da percepção.
O
pensamento pré-operatório é caracterizado por ser um pensamento rígido, pois
considera apenas os estados e não suas transformações.
Uma
das principais características do pensamento pré-operatório é o egocentrismo.
Porém, devido aos mal-entendidos com o termo, Piaget preferia falar em
centração ou indiferença, pois a criança pré-operatória está permanentemente
centrada em seu próprio ponto de vista e indiferente a pontos de vista de
outros.
O
egocentrismo infantil leva a criança a confundir seu próprio pensamento com o
mundo a sua volta, acreditando que tudo que acontece tem alguma relação consigo
própria.
Segundo
Martí, o pensamento infantil nesse momento está sempre estabelecendo uma
relação de causa e efeito entre fenômenos que presencia, a partir de seus
anseios e experiências pessoais (fenomenismo). Ele afirma que a criança
acredita ainda que tudo a sua volte tem uma função que justifica sua existência
(finalismo). Acredita que tudo que há no mundo, inclusive as montanhas, foram
de alguma forma construídas pelos homens (artificialismo).
O
pensamento intuitivo pode levar a criança a acreditar que objetos e animais
sejam dotados de pensamentos e de intenções (animismo).
No
campo da construção da moralidade, quanto à evolução da prática e da
consciência de regras, as crianças de até cinco ou seis anos encontra-se na
etapa da anomia, ou seja, indiferentes às regras coletivas. Somente no final do
nível de pensamento pré-operatório, subnível intuitivo articulado, por volta
dos seis anos, é que as crianças passam a demonstrar um grande interesse por
participar de atividades coletivas regradas.
Quanto
ao julgamento infantil a respeito de questões envolvendo dever moral, podemos
identificar uma primeira fase onde se observa o realismo moral. É considerado
bom todo ato que obedece a uma ordem do adulto. As regras são interpretadas
literalmente e julga-se pelos resultados dos atos e não por sua
intencionalidade.
As
crianças pré-operatórias, ou até cerca de oito anos de idade, também acreditam
na idéia de uma justiça imanente, segundo a qual, todo delito será castigado
ainda que por forças da natureza.
Alguns
experimentos de Piaget avaliam a aquisição das invariantes físicas pela criança
(substância, peso, volume etc.). Trata-se de situações onde se parte de uma
igualdade inicial e o experimentador vai procedendo a transformações no estado
do objeto apresentado, sempre diante da criança. A cada transformação, o
pesquisador investiga como pensa a criança, quanto à conservação da invariante
que está sendo pesquisada.
Existem
três níveis possíveis de resposta:
a) Nível 1: respostas não
conservadoras. Não reconhece a conservação da invariante pesquisada.
b) Nível 2: condutas intermediárias.
Apresenta oscilações: é capaz de emitir uma resposta conservadora, mas diante
de uma contra-argumentaçao modifica seu julgamento.
c) Nível 3: respostas conservadoras.
Consegue reconhecer a invariância da unidade pesquisada diante das
transformações que ocorrem à sua frente.
Crianças
de até quatro anos e meio ou cinco anos, apresentam respostas do nível 1,
revelando total ausência e reversibilidade de raciocínio. São crianças
pré-operatórias de nível simbólico ou intuitivo global.
De
cinco até os seis ou sete anos costumam apresentar respostas intermediárias.
São crianças pré-operatórias de nível intuitivo articulado.
As respostas de nível 3 só
são alcançadas quando a criança ingressa no estágio de pensamento operatório
concreto, como resultado do processo de sucessivas reformulações realizadas no
estágio anterior.
No estágio do pensamento
pré-operatório, no domínio da classificação, embora a criança consiga efetuar
subtrações de classes, ela é incapaz de fazer inclusões de classes.
Quanto
ao domínio da seriação, só conseguem fazê-lo parcialmente, em grupos sem
considerar o todo. Mas, só conseguirão seriar quando se encontrarem no nível
operatório concreto.
No
nível pré-operatório ocorre o aperfeiçoamento de esquemas de pensamento que
surgiram no estágio anterior, ao mesmo tempo em que preparam a criança para o
estágio posterior. Portanto, é uma etapa importante, em que a criança realiza
várias aquisições que possibilitarão o desenvolvimento para a próxima etapa.
BIBLIOGRAFIA
BOSSE, Vera Regina Passos. O mundo
pré-operatório de Laurinha: considerações gerais sobre o estágio de pensamento
pré-operatório. Psicopedagogia, São Paulo: Associação Brasileira de
Psicopedagogia, n. 61, p. 76-84, 2003.
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